Olívia Lacerda
Ruína - Questão de Peso e Medida
Caminho da Queda
Jogo de Equilíbrio
Desenhos
Chapéu Para Dias Quentes
Itens De Proteção Pessoal Para Dias Quentes
Gravidade
Bandeira
Gravidade: que tende a se desenvolver de modo desastroso, cujas consequências são graves;
força de atração que faz com que os corpos não flutuem no espaço;
força que atrai os corpos para o centro da terra.
Gravidade é uma série de nove trabalhos até o momento, iniciada em 2020 no começo da pandemia de covid19 no Brasil. Apesar de todos os trabalhos serem produzidos e pensados a partir de plantas secas, suas linguagens são variadas. O trabalho que deu origem a série Gravidade é uma pintura homônima, inspirada numa rosa seca que guardo desde 2018, de uma homenagem póstuma à Vera Lúcia Gonzaga, cofundadora do Movimento Independente Mães de Maio.
Após essa pintura, durante a pandemia, comecei a reparar no ciclo de uma árvore de Ipê-rosa que dá para o quintal da casa onde moro. No outono as folhas caem dando lugar as flores que surgem durante o inverno, antecipando a primavera. A palavra Ipê é de origem tupi e significa árvore cascuda, podendo ser encontrada em todo o território brasileiro em diferentes cores. Em algumas regiões é conhecida como pau d’arco pois sua madeira era utilizada para confecção de arcos e flechas. Já a casca da árvore Ipê-roxo possui propriedades medicinais, sendo utilizada como anti-inflamatório, antiviral, antibiótico entre outras. Sua madeira é também empregada na construção civil e naval e nas cidades aparece como árvore ornamental. Por suas propriedades úteis a construção civil é uma das espécies mais cobiçadas pelas madeireiras e consequentemente pelo desmatamento ilegal, por esse motivo encontra-se hoje em ameaça de extinção.
Passei a coletar suas folhas investigando e tensionando esse material que costuma ser ignorado no nosso dia a dia e na maioria das vezes descartado como lixo. Num ambiente natural as folhas que caem das árvores retornariam à terra, adubando-a e reintegrando-se ao meio ambiente, processo que nas cidades é impossibilitado devido a impermeabilização do solo, impedindo que esse ciclo se complete.
A partir dessas reflexões sobre o ciclo natural das folhas surgiu o trabalho Caminho da Queda (2020-21), que é uma instalação/site-specific, composto por folhas secas unidas por uma linha, sustentada por um gancho, que vai do teto ao chão onde há mais folhas ao redor. Esse trabalho se adapta ao pé direito do espaço expositivo, aludindo ao caminho que a folha faz ao cair. Numa tentativa de "congelar" esse trajeto e de falar da relação entre o ciclo constante da natureza e a inevitabilidade da passagem do tempo.
Ruína - Questão de Peso e Medida (2021), é uma escultura de chão (13x46x25cm), formada por dois blocos de estuque sobrepostos (areia, cal, cimento, arame e madeira), porém há um vão entre eles onde encontram-se folhas secas. A ação do tempo pode ser notada nesses blocos através do arame enferrujado e os blocos deteriorados. As folhas secas entre eles podem remeter a plantas que brotam em ruínas e em meio ao asfalto, que sobrevivem e se adaptam apesar da ação humana que tenta contê-las. A frase “questão de peso e medida” faz referência ao contraste entre o peso de um material utilizado na construção civil e a leveza das folhas, podendo se referir ao desequilíbrio entre essas duas matérias no ambiente urbano. Esta frase também é popularmente utilizada para falar de pesos e medidas relativas que damos às coisas e acontecimentos de acordo com uma intencionalidade ou ponto de vista. Como diz a música Canto Chorado, de Billy Blanco: “O que dá para rir, dá para chorar, é só questão de peso e de medida (...)”.
Outro trabalho da série Gravidade é Jogo de Equilíbrio (2020) que é um tríptico fotográfico, como já diz o título, de um jogo de equilíbrio que consiste em empilhar uma pedra sobre a outra o mais alto que conseguir, mas neste caso ao invés de pedras foram utilizadas folhas secas. As duas primeiras fotografias são registros do processo do jogo, ou seja, folhas secas empilhadas, já na terceira imagem as folhas aparecem tombadas. O jogo com as folhas pode parecer mais fácil do que o tradicional com pedras, mas pela leveza do seu corpo, qualquer movimento que gere vento por exemplo pode colocar tudo a perder. As fotografias são impressas sobre papel algodão 59x42cm fazendo com que as folhas ganhem uma dimensão maior do que a natural.
Já Itens de Proteção Pessoal Para Dias Quentes (2020) é uma tentativa de ressaltar a conexão entre a pandemia e a crise climática. São três máscaras feitas de folhas secas costuradas com linha vermelha, assim como Chapéu Para Dias Quentes (2020) e Terno Para Dias Quentes (2021-22). Todos os três trabalhos possuem escala humana e são expostos fisicamente, sustentados por apoios de metal de parede para plantas (apoio A) e em Terno Para Dias Quentes é adicionado um cabide de madeira, já os Itens de Proteção Pessoal Para Dias Quentes são emolduradas em caixas de madeira de 40x40cm. Nesses trabalhos aproveito a própria anatomia das folhas, selecionando-as de acordo com a intenção do objeto a ser construído. Na parte interna desses trabalhos as linhas vermelhas são abundantes e entrelaçadas em contraste com o seu exterior onde aparecem alinhavadas de forma ordenada. O título Para Dias Quentes sugere uma conexão com o aquecimento global, questão infelizmente subestimada pelos poderes públicos. Enquanto vivemos o surto de covid19 os números de incêndios florestais aumentam incessantemente, sendo essa uma das principais causas das mudanças climáticas e que podem vir a gerar novas pandemias entre outras consequências, fruto do nosso desequilíbrio com a natureza gerado pelos modos de vida e de produção capitalista.
Em Desenhos (2020-) o processo é o mesmo dos citados acima em Para Dias Quentes, sendo construídos por folhas secas agregadas através da costura com linha vermelha, porém feitos de forma intuitiva. O título é uma analogia entre esse trabalho que está mais para uma escultura, com o que definiria um desenho, a linha gerada por um lápis ou caneta sobre folha de papel. Cada Desenho é emoldurado separadamente em caixas de madeira com vidro na parte frontal de 40x40cm, dando assim o mesmo espaço para cada um dos Desenhos que possuem dimensões variadas.
Bandeira (2021-23) é um vídeo composto por 88 fotos de uma bandeira feita com folhas verdes e secas costuradas com linha vermelha, seu formato sugere o desenho da bandeira do Brasil. Deixada a céu aberto durante os dias 27/05 e 24/08/2021, foi registrada diariamente em horários diferentes. O vídeo tem 1min e 30s de duração, podendo rodar em looping.
Por se tratar de um material extremamente delicado a costura com agulha e linha deve ser cautelosa, quase como numa tentativa de suturar/curar essas folhas que são um componente vital para nossa existência, daí a escolha pela cor vermelha (linha), podendo remeter a veias ou algo vivo e latente, além de ser a cor complementar do verde, que por conta da ação do tempo já não está tão presente aqui, porém é a cor das folhas vivas e que simbolicamente representaria a natureza. Todos os trabalhos (exceto a pintura Gravidade, o tríptico fotográfico Jogo de Equilíbrio e Bandeira) são efêmeros, pois são feitos a partir de um material orgânico que pode vir a se desintegrar, que ao decorrer do tempo vai se transformando, mudando sua estrutura e suas cores. A construção de cada um desses trabalhos é baseada na união de pequenas partes independentes (folhas) para gerar uma outra coisa, remetendo ao vínculo e a cumplicidade entre os elementos que compõem uma totalidade.